terça-feira, 18 de maio de 2010

Para o herói: experimentos sem nenhum caráter - fluidos s/ TV e corpo s/ papel



“Para o herói: experimentos sem nenhum caráter” é dedicado a Macunaíma, o herói de nossa gente, portanto, um “herói sem nenhum caráter”. Um brasileiro.

O caráter ao qual se refere Mário de Andrade[1] vem de característica. Macunaíma, como “legítimo” herói brasileiro, não tem nenhuma característica. Mas não podemos perder de vista as inúmeras e deliciosas provocações de Mário, pois antes que algum patrício possa assuntar, Macunaíma não é nenhum ser neutro não, gente! Macunaíma é atravessado por uma imundície de caráteres. Mas tantos, que se torna “sem nenhum caráter”. Mário propõe uma brincadeira antropogáfica para engolir e sangrar as idéias de identidade nacional, legitimidade, moralidade. Macunaíma perverte essa coisarada toda, com muito erotismo. Juque!

Eu sou ele também. Li Macunaíma pela primeira vez na escola. Nessa época, isso foi uma surra-mãe. Me sentia apanhando mesmo do livro, como se ele riscasse a faca no chão e me intimasse para a peleja. Poucos anos depois, comprei um exemplar num sebo, que me faria companhia intermitente até hoje. Então me foi crescendo um amor pelo herói – ele que também é mau-caráter.

Sou campo grandense, mandioqueira, filha de paulista com curitibana. Passei a infância no Mato Grosso do Sul, a adolescência no Paraná, morei por 6 meses em Londres, quando tinha 13 anos, e tempos depois me piquei pra Bahia para agarrar a arte como profissão depois de ter estudado turismo e ciências sociais.

Me interesso pelo corpo que passeia por gentes, bichos, máquinas, sotaques mestiços, as aventuras da mestiçagem – que os brasileiros somos experts.

Em “Para o herói: experimentos sem nenhum caráter – fluidos s/ TV” me visto como uma piriguete, com a minha cara de francesinha. Me sento ao lado da TV, chupo uma bala garoto, babo e choro lágrimas de colírio sobre a imagem de minha cara inchada de choro, que está coberta por um papel de seda branco. À medida que a baba e o choro escorrem pelo papel, a imagem vai se revelando. Até que a acaricio e o papel, já completamente molhado, gruda na TV e a imagem se torna mais nítida. A minha cara de choro na TV esboça um sorriso. Me interessa essa imagem porque ela me desafia: não me mostro assim para os outros, não é exatamente como as pessoas me identificam. Com essa cara pavorosa e deprimente vou crescendo um sorriso – sem caráter! – como a lágrima de colírio e as flores de plástico ao lado da TV. Sem caráter como a minha roupa de piriguete chupando bala garoto para conseguir babar mais.

Em “Para o herói: experimentos sem nenhum caráter – corpo s/ papel” existem outros tipos de operação. Criei uma imagem inicial muito limpa: um papel branco, de mais ou menos 5m, estendido no chão, sobre ele, trechos de Macunaíma escritos em carvão e eu deitada, vestida de branco, terminando de escrever. Me dispo e, como mais um pedaço de papel branco, me deito ao final do papel. Aos poucos vou continuando a escrita, desta vez imprimindo o texto de carvão sobre meu corpo branco. Vou me sujando de carvão, de movimento e de estados corporais. Como um bicho máquina jacaré devoro o texto borrado até cair numa gargalhada silenciosa – com uma satisfa-mãe que só um herói pode ter!



[1] Mário de Andrade é autor do livro “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter” em 1928.

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