segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

pensando em criação e protocolos...

Salvador, 29 de novembro de 2010.

São quase meia noite, hoje ainda é segunda feira, e eu estou na frente da televisão. Acabei de assistir um programa roda viva com o antropólogo Luiz Eduardo Soares sobre a violência no Rio de Janeiro. Hoje pela manhã discutia sobre a prática artística na Universidade no Laboratório de Criação. Mas me marejaram os olhos as palavras que acabo de ouvir da boca do Tom Zé. Não abro aspas, porque possivelmente as reinvento. Estudei o dodecafonismo, a musica construtivista francesa, o tropicalismo, a musica de Debussy, Wagner, o tonalismo, a bossa nova que me formou enquanto pessoa, eu jogo tudo isso fora, jogo isso tudo no lixo... fico magro, miserável, numa solidão profunda, definhando... é daí que sai a música!
A coçeira no nariz, dum nascedouro de lágrimas que não caem - outras pessoas se arrepiam, eu tenho vontade de chorar - isso tudo me lembra da querida amiga que tive o prazer de ter como orientadora de trabalho na Casa Hoffmann, em Curitiba, Cínthia Kunifas. Sempre muito paciente, muito poucas palavras, muito só estar junto, me lançava olhares de é isso aí toda vez que eu dizia para ela que estava num escuro total, toda vez que só conseguia olhar nos seus olhos, quando eu me deitava no chão e mais nada, quando só vomitava dúvidas com inseguranças com caos com tudo. Ela só estava lá para me dar coragem para seguir no vazio, também miserável, magra, sozinha. Me dizia que estava lá para que fosse possível que eu estivesse mais sozinha. Chega ao fim da residência, se aproxima a mostra final dos artistas e eu entro em pânico em meio ao mais negro escuro. Cinthia, não tenho nada para apresentar! Não tem problema, se vc não tiver nada, pode simplesmente conversar com as pessoas, ou sentar e olhar para elas, ou deitar no chão, ou ficar em pé. Finalmente, resolvi compartilhar com as pessoas a minha tremedeira de impulsos espasmódicos, como vinha fazendo nos últimos meses. Ninguém entendeu nada. O que vc está fazendo? O que vc quer dizer com isso? Nada, estou no escuro, to vendo como são meus espasmos. Nem “cheguei a lugar algum”.
O que de fato querem dos artistas? Os fatos. Os produtos. ? ? Por que tamanha ânsia em apresentar algo? Sim, é a mesma lógica dos editais. Isso é sempre interessante? Não podemos partir para outras possibilidades de investigação? Estamos num treinamento para ganhar editais?
Três anos depois da Hoffmann tenho uma primeira composição coreográfica solo. Percebo o quanto daquelas dúvidas, daqueles vazios me movimentaram, não na direção de respostas e soluções procedimentais ais ais ais.... mas em estar atenta para cutucar as casquinhas das feridas, mantê-las em adoecimento, garantir uma dose de pus. Longe de ser uma solução, o “produto?” não passa de mais perguntas. Tema? Procedimentos de investigação? Metodologia? São ficções que crio como possibilidades de reflexão sobre meu fazer, de compartilhamento com outras pessoas, de estratégia para cumprir com trabalhos acadêmicos para me formar (afinal, esta é a terceira faculdade em que ingresso!), de construir uma narrativa sobre um processo criativo.
Tais ficções – umas mais, outras menos – me estimulam criativamente, me ajudam a fazer uma reflexão crítica do meu trabalho, mas estão longe de serem receitas de bolo para a criação artística. Quando participei de um workshop / orientação criativa com Tadashi Endo, como colaboradora do Teatro Ritual (GO), ouvi-lo dizer aos artistas que estavam desesperadamente buscando temas para defender a estruturação de seu processo criativo: “You should smell the life! Walk aroud, roll on the flor, jump!”
 Me parece que a burocracia dos protocolos de investigação está menos grávida do que as crises. Como entrar em crise junto? Como simplesmente “estar lá” para um grupo de 15 pessoas? Não parece tarefa nada fácil, mas tão pouco me parece agora, refletindo melhor, que a “solução” virá de seminários sobre orientações criativas. Ao contrário (talvez não haja “soluções”), tenho a impressão de que se permitir também a essa miséria de que falava Tom Zé seja uma postura mais cúmplice de um processo criativo.
Tem mais não, to com sono, tenho aula amanhã, vou dormir...

3 comentários:

  1. Paulinha, são também 4:00 da manhã de uma segunda-deira e e me encontro aqui,pensativa,buscando amigos na net,futucando escritos, sozinha, sem sono(uma ação não costumeira de minha parte) buscando "soluções" para algumas questões............
    Me perguntando se relmente existem essas tais "soluções"...Mesmo não querendo, o sistema nos levar a buscar ou a ter uma resposta pronta, a cobrança é geral, de todas as partes!
    Me pego lendo um livro, uma literatura, rapidinho eu termino e ai?
    Hoje eu parei para assistir um filme com meu marido, ouvir as resenhas de Gabi e enfim......buscando esse encontro, esse afeto.Buscando!
    Acho que é isso, vendo seu texto, o depô de Tom Zé,o olhar calmo de sua orientadora na Hoffmann, desse tempo, experiência, eu lembro de uma escrita num desses depoimentos do FB(pelo menos serve para alguma coisa)"Morrendo várias vezes para me manter vivo!"
    Esse estado faz parte........cumplicidade!
    Não sei se é isso, mas eu tive uma vontadinha de desabafar e talvez me enxergar tbm nesse seu momento!
    Um beijo.
    :)

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    1. Oi Iara! nossa... eu nunca tinha lido esse seu comentário... eu também ando pensando mais nessa busca que vc fala.... uma busca que muitas vezes é distraída, meio "despropositada", em que vamos reconstruindo sentidos com o tempo. mas é isso... bora andá!
      beijo

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  2. "Sentar-se no meio do caos e aí se sentir em casa" (Ludwig Wittgenstein, sobre o método mais sumarento, frutífero, em filosofia - e, por que não, digo eu, nas outras artes do espírito).

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